THIAGO ARAUJO é... o Palhaço Pindaíba!

Quem vos fala neste sítio virtual é Thiago Araujo, o Palhaço Pindaíba,
contando como a vida me fez palhaço e o que, então, eu passei a fazer da vida.
Atravessei os sete mares. Itália, Alemanha, Malta... quase sete...
cruzei o Brasil de Porto Alegre a São Luís do Maranhão, Góias, Corumbá, Belo Horizonte...
Conheça o espetáculo solo "Manual de Sobrevivência na Grande Cidade"
e toda trajetória de atuação cômica deste paspalho.

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sábado, 12 de julho de 2008

Relato da oficina tribo de atuadores que eu ministrei e roteiro. eu sou suspeito pra falar...

Relato – Oficina de Teatro de Rua na I Semana de Arte de Urucânia/MG
26 a 30 de março

Esta oficina ocorreu nas dependências do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PETI/Urucânia, contando com a participação de alunos e professores deste mesmo projeto.
No decorrer destes quatro dias de atividade, desenvolvemos uma abordagem especifica para este grupo – atuar e se divertir em grupo, fortalecer vínculos e explorar a memória como janela para o futuro. Essa idéia surgiu porque algumas participantes em reflexão questionaram a importância de se lembrar e refletir sobre experiências traumáticas vividas.
A técnica física utilizada fundamenta-se em três princípios básicos de Teatro de Rua a saber, ocupação do espaço cênico, interatividade e disponibilidade ao jogo, adaptação livre de dinâmicas propostas da Universidade Livre do Teatro de Rua, - Instituto Tá Na Rua /RJ veiculadas a questionamentos oferecidos pelo Teatro do Oprimido, como “ quem atua” “ quando se atua” , “o que realiza quando atua”, “a força da expressão” como antídoto ao trauma e estímulo ao protagonismo cultural.
Construímos desta forma um contrato de trabalho com os envolvidos, baseado na disponibilidade, na diversão, na não comparação com o outro e na solidariedade. Propusemos e conduzimos dinâmicas e jogos dramáticos, rítmicos, corporais e interpretativos, que estimularam a canalização e a desinibição da energia corporal e dos sentidos, projeção de movimentos, ocupação cênica do espaço, tempo e ritmo variado no desenvolvimento de ações, dança pessoal com uso de figurinos, dinâmicas coletivas de fortalecimento da coesão e harmonia física do grupo e instinto de sobrevivência.
Um aspecto desta oficina que deve ser colocado é relacionado ao nome dado a mesma quando se tornou explicito nos jogos o reflexo da trajetória de vida dos participantes, pessoas que em sua maioria haviam sofrido algum trauma em suas vidas, originários de classes subalternas, discriminados, estigmatizados e segregados na cidade ( uma cidade de 6.000 habitantes onde ocorrem tiroteios e abuso sexual infantil) com uma forte necessidade de afeto e aceitação. O que nos inspirou a intitula-la como “ Tribo de Atuadores de Urucânia” , foram as vivências de potencialização do instinto de sobrevivência e proteção do fazer artístico ( desinibição e estímulo a fruição criativa ) realizadas pelo grupo nos dias de atividade e o forte desejo( curiosidade e autodeterminação sobretudoi) de reificação da memória de um povo, habitante de uma terra totalmente degradada, explicitamente influenciados pela sazonalidade da ocupação na colheita da cana e na suinocultura, memória velada no próprio nome da cidade, “ terra de urucum” .
Vsilumbramos como uma Tribo de Atuadores o acúmulo de inferências e reflexões que associam a capacidade de se divertir com uma necessidade instríseca de se aceitar e de se expor independentemente de estigmas sociais, fortalecer uma perspectiva de compartilhamento artístico onde a todo momento desvelou-se e exprimiu-se a necessidade de o grupo se manter coeso para garantir sua própria sobrevivência.
Desta forma os jogos dramáticos foram sendo adaptados a uma concepção de vivencia comunal , onde os atuadores se sentiam protegidos pelos colegas que faziam a vez como espectadores, analisando e aprendendo com a observação, acrescentando e gerando este ambiente de confiança , diversão e desinibição continuas.
Todos os dias a condição do ser humano, abandonado e traumatizado era discutida, a necessidade de autodeterminação e auto estima como fator preponderante a consecução de objetivos por parte das pessoas que já teriam vivido ou viviam a condição de discriminação. Questões seriíssimas foram levantadas e discutidas pelo grupo, como a condição de alienação e ignorância dos pais quanto a necessidade de diversão e arte na vida das famílias, a necessidade de sonhos e perspectivas como libertação de uma realidade aprisionadora e a falta de afeto como conseqüência de uma rotina de trabalho desgastante ou pela própria falta de perspectiva gerada pela desocupação.
Associamos portanto ao final das contas, noções relativas ao desenvolvimento e canalização do impulso corporal à capacidade de sobrevivência e auto aceitação, fundamentadas nas realidades e condições traumaticas diversas que impedem e negam a diversão aos individuos.
Como conclusão, retomamos o roteiro criado durante o período, que marcou profundamente o público e os próprios envolvidos, como pudemos perceber nos desdobramentos gerados, a guisa da continuidade dos trabalhos com a Tribo de Atuadores de Urucânia( ver casta da coordenadora do PETI/Urucânia.
Ao final realizamos uma apresentação composta por um cortejo, onde os participantes dançavam e carregavam araras de figurinos pelas ruas, como expressão da força e disponibilidade da Tribo de Atuadores e uma roda de atuação , onde ao atores dançarinos representavam os personagens narrados de maneira diacrônica, sem uma linearidade no tempo e sem uma continuidade quanto ao pertencimento dos personagens a um ou outro ator, de forma que produzimos um roteiro que cruzava memórias, persongens da tv, colegas de infância e mesmo um desfecho onde revela-se o papel da arte na vida de um povo e sua relação como valorização da cultura e da memória, reproduzido abaixo:

Roteiro narrativo Tribo de Atuadores de Urucânia

Poema de abertura com música da Tribo ao fundo :

Memória, quem não conhece a própria história
É escravo do esquecimento
Tudo o que o seu olho vê
Tudo que sua boca come
O que você veste
E consome
Este é você
Quem é você?
Eu sou o que a vida faz de mim,
Eu sou o que faço da vida
Memória,
Quem não conhece a própria história
É escravo do esquecimento.

Trata-se da história de um velho da praça
que passa os dias a se lembrar
dos seus brinquedos de infância
de sua surpresa ao conhecer a tv e o
automóvel
mal sabe o velho que muito antes
que suas lembranças possam alcançar
os portugueses chegavam ao Brasil.
Enquanto isso Silvio santos distribui dinheiro
meninas dançam o crew ,
novas escravas do Brasil,
mal sabiam que os escravos
vieram em porões de navios
acorrentados e chicoteados,
mas a ditadura mostrou que o povo
não tem nada que ver com a política
o povo, vê novela em suas casas
e o pouco assunto que tem vira
silêncio,
só se escuta a voz
do repórter do jornal nacional,
veja o novo vestido da grazi amansafera,
não se preocupem, a violência é só um detalhe , porque o grande cantor latino americano estréia seu novo filme que promete emocionar.
Enquanto isso
cinco crianças que fugiram da roça
vão para a cidade grande
admirar as luzes e lâmpadas coloridas
e comer restos de lixo de restaurantes
e o nosso bom e saudoso velho sentado na praça recorda do Silvio Santos distribuindo dinheiro
e de um tal de Zé Prequete
tira bicho de pé pra tomar com café
que vivia pensando matutando
e que um dia, sem que nem porque
de dentro de sua caraminhola,
do fundo bem do fundo do seu peito
tira uma decisão, vou sair pelo mundo afora tocando meu violão, enquanto isso um velho amigo de escola
afoga suas magoas na cachaça
e repete sem parar,
mais vale uma garrafa
de cachaça na mão
do pé de cana do que um pé de cana na mão da garrafa.
Um escravo fugido tenta explicar pro feitor que ele também é negro e escravo
Zé Prequete anda solto pelo mundo
passa frio e passa fome, estrepa o pé
toca e canta a dor e a delícia de ser o que é , Zé Prequete tira bicho de pé pra tomar com café, ri e chora do destino
vê os chineses do outro lado do mundo,
as tribos da África o recebem num ritual tribal. No Rio de Janeiro
vê uma baleia tomando coca cola
e até uma formiga amiga de um camelô
Zé Prequete canta as dores de um mendigo que voltando pra casa após uma noitada daquelas e encontra com Silvio Santos que distribui dinheiro, peraí Silvio, este é o meu sonho, sai pra lá urubu! O mendingo voltando da noitada vê a imagem da mulher amada, mas quem disse que uma mulher bonita e formosa quer coisa com mendigo?
Era só mais um sonho de quem só pode sonhar quando tem alguma coisa pra tomar, mas não é que o nosso mendigo subindo a ladeira vê um castelo, uma grande mansão. Na janela ele enxerga sua amada donzela, e resolve como na sua juventude fazer uma serenata as três da manhã. Mas na janela quem estava era o grande e furioso barão que chama dois policiais armados até os dentes . Como na rua sempre é o mendigo quem começa a confusão ... no meio da capoeira o tal vagabundo leva um tiro nos peito e num último suspiro, numa poça de sangue e imaginação ele vê a mulher amada voando numa nuvem cor de rosa, pelo menos morto ele pode sonhar em paz.
E o velho sentado na praça... ele é o próprio Zé Prequete, grande violeiro que hoje sabe, na memória mora seu valor e na arte mora o seu coração.


“ O meu teatro quando sai a rua, noite de lua mais parece um beija flor, eu tenho valor, eu tenho memória, meu peito chora meu coração sente dor.”

to chegando, to partindo...



uma imagem atual do palhaco pindaiba, aguardem este retorno, semana que vem confirmo umas agendas de apresentacao de volta as aulas no parque eldorado e no centro cultural vila marçola.