Bufões e Sátiros – rastros oníricos dos rituais dramáticos mitológicos
Por Thiago Araújo
Atividade teórico-prática de adaptação e recriação de técnicas corporais histriônicas a partir do cruzamento de imagens da mitologia pré-cristã e da alta idade média( François Rabelais) às descrições e estudos do período pré-colonial (1500-1530) onde se dão os primeiros exercícios de domínio e fusão das imagens oníricas indígenas as significações católicas impostas a este imaginário cosmogonico, principalmente quando se trata da censura aos fenômenos de possessão ( sonhar acordado). A proposta é reconstruir traços e arquétipos do teatro cômico burlesco enquanto ritual dramático a partir do estudo de situações relacionadas ao processo de degredo das concepções cosmogonicas indígenas, principalmente no que se refere a interferência corporal recriada neste processo, enfocando aspectos de inversão, resistência e transgressão observados nesta transição do significado dos sonhos, enquanto estratégia de colonização do corpo e do inconsciente .
Tópicos
Panorama do período pré-colonial ( 1500 –1530) – política pública de colonização dos sonhos
Traços e rastros dos rituais dramáticos ditirâmbicos, deuses menores da Grécia antiga e outras personificações antropomorfas
Subversão e resistência no teatro e na literatura popular na alta idade média
Vivencia de projeção e recriação do ambiente onírico – distinção entre possessão e catarse
Vivencia de manipulação dos sentidos físicos com base na técnica corporal dos bufões
Vivencia de construção do personagem com base na colonização do sonho satírico
Carga Horária: 24
Bibliografia
Campbell, Joseph . O poder dos mitos
Bataille, George. A parte maldita
Bakthin, Mikhail. Cultura Popular na Idade Média
Vainfas, Ronaldo. Heresia dos Índios
Auge, Marc. Guerra dos sonhos
Deleuze& Guatarri. Esquizofrenia e Capitalismo
Viveiros de Castro, Eduardo. O mármore e a murta , Pespectivismo ameríndio
Baeta Neves , Luiz Felipe. Os soldados de Cristo na Terra dos Papagaios
Eliade, Mircea. Ferreiros e alquimistas
Foucault, Michael. Historia da loucura na Idade Média
Barba, Eugenio. Dicionário Antropológico do Teatro
Brook, Peter. Ponto de Mutação
Cohen, Renato. A performance enquanto linguagem
Danielou, Philipe. Shivaismo Donisismo
Outras indicações a serem revistas:
Mitologia Ilustrada - Deuses menores da Grécia antiga
Manual da Inquisição
A sombra de Dionísio
Historia da Psiquiatria no Brasil
Textos introdutórios
Os Sátiros
Pã (Faunus ou Luperco, em latim) seria uma divindade caracterizada por um homem barbudo, de cabelos desarrumados, com cascos de bode e tendo um par de chifres. Segundo a lenda, vivia entre as ninfas, em montanhas e vales, considerado o inventor da flauta, a qual costumava tocar todas as noites. Também à Pã se atribuem os sustos que as pessoas têm, quando são surpreendidas por um barulho (quiçá pelo nome, ao ser pronunciado, imitar o som de uma pancada, formando onomatopéia). Como era protetor dos animais, pastores e caçadores, o termo “fauna” deriva de seu nome latino. Nascido de Penélope (filha do rei Dríope) e de Hermes que a seduziu tomando a forma de um bode, Pã não só acompanhava o séqüito de Dionísio, como adorava correr nu por entre vales e montes, caçando ou acompanhando a dança das Dríades - conjunto de oréades ou ninfas dos bosques e das montanhas - tocando a flauta por ele inventada para conduzir os rebanhos. Por ter nascido de uma mulher com forma humana e um homem com forma de bode, do pai herdou os chifres e os pés de bode e, por sua forma esquisita, ao aparecer repentinamente diante de pessoas, o susto era tal que daí surgiu a expressão de terror “pânico”, usada para designar um medo repentino e violento. E bastante provável que os Sátiros, divindades secundárias que acompanhavam Baco, com formas físicas idênticas às de Pã, tivessem inspirado os Romanos, para seus Sátiros, embora esses tivessem orelhas mais bicudas, pois segundo a mitologia, esses também traziam em mãos um instrumento musical, normalmente uma flauta, ou, em seu lugar, uma taça e um tirso (pequeno bastão, enfeitado com um ramo de hera ou videira). Segundo a mitologia grega, os Sátiros viviam em bosques, montanhas e também regiões agrestes, representados como homens-bode ou homens-cavalo, dotados de uma longa cauda e com o pênis em permanente ereção, perseguindo as ninfas e as mênades, movidos por seu insaciável desejo sexual. No período clássico, eram intimamente associados ao culto a Dionísio. Na versão mais freqüente, Sileno - filho de Pã, além de pai dos sátiros e educador de Dionísio - era representado como um velho grotesco e sempre bêbado, porém sábio. Com o tempo, o termo sileno passou a designar os sátiros velhos. Personificações da vitalidade animal, os sátiros se distinguiam pela impulsividade, a luxúria e o amor à dança e ao vinho.
As Bacantes
Consta que as primeiras seguidoras do deus Dionísio, há uns 3 ou 3,5 mil anos atrás, foram mulheres que viram nos dias que lhe eram dedicados um momento para escaparem da vigilância dos maridos, dos pais e dos irmãos, para poderem cair na folia "em meio a danças furiosas e gritos de júbilo", como disse Apolodoro, testemunha duma daquelas festas. Nos dias permitidos, elas, chamadas de coribantes, saíam aos bandos, com o rosto coberto de pó e com vestes transformadas ou rasgadas, cantando e gritando pelas montanhas gregas. Os homens, transfigurados em silenos e sátiros, não demoraram em aderir às procissões de mulheres e ao "frenesi dionisíaco". A festança que se estendia por três dias, encerrava-se com uma bebedeira coletiva em meio a um vale-tudo pansexualista
Fragmentos de “Guerra dos Sonhos” - Marc Auge
Para ele, a cultura não provoca por si só nenhuma rejeição ou incompatibilidade, na medida que continua a ser cultura, isto é, criação. Há sempre, segundo ele, um certo risco em querer defender ou proteger as culturas e uma certa ilusão em querer buscar sua pureza perdida. Elas só viveram por serem capazes de se transformar. As culturas vivas são receptivas às influências externas. Num certo sentido, todas as culturas foram culturas de contato; mas o que elas fazem dessas influências é que é interessante. Como exemplo ele cita os pumés e a conhecida e estabelecida história de reformulações e adaptações conseqüentes de choques culturais. "Toda imagem pode provocar um fenômeno de apropriação ou de identificação que lhe confere, em troca, uma espécie de existência autônoma e de vida própria: isso é verdade com relação à imagem material, mais ainda com relação à imagem do sonho, e ainda mais com relação a ambas, quando elas se confundem, alimentando-se o sonho de imagens diurnas e estas, por sua vez, aparecendo como lembranças ou prolongamentos do sonho que lhes deu corpo."
Como se sabe (eu não sabia), os analistas da modernidade opuseram dois tipos de mitos: os de origem, que situam num passado longínquo a gênese dos grupos humanos e das cosmologias nas quais eles se desenvolveram, e os mitos escatológicos, que correspondem ao momento moderno que faz do futuro o princípio de sentido.
"Assim", continua mais a frente, "as práticas religiosas dos dominados situam-se bem no entre-dois-mitos que acabamos de evocar: entre um passado truncado e um futuro obscuro".
Segundo Augé, a situação de entre dois mitos, em geral, favorece a imagem e abre caminho para a imaginação. Aí ele cita as experiências de xamãs africanos e representantes de religiões sul-americanas, sempre observando as potencialidades criativas e de adaptação desses para sobreviver às imposições do mundo imagético europeu. Mas, segundo o autor, essa briga acaba recaindo numa mistura de valores, de crenças e de perspectivas que destrói, necessariamente, a base antiga, da qual sobram resquícios, indícios e sonhos.
"A permuta nunca é total nem completamente evidente: as inquietudes da Igreja, seus conflitos interno sobre a estratégia da imagem são uma prova suficiente. Mas ela é realmente um dos problemas que vemos surgir de modo claro no fenômeno de colonização do imaginário: espécie de queda de braço, em que a astúcia às vezes disputa com a força para dominar as imagens do outro. O interessante é que em nenhum dos casos existe, a bem dizer, cobertura total ou sobreposição exata, pois o imaginário de uns não pode se constituir como imaginário coletivo de outros. A sobreposição sempre se desdobra, portanto, numa defasagem que complica sua leitura e interpretação".
E, para ele, o mesmo ocorre quando surgem os grandes relatos da modernidade. "O discurso moderno pretende ocupar o lugar do imaginário coletivo, reconstruir uma memória a partir de um acontecimento fundador para abrir a imaginação ao futuro". Esse acontecimento fundador pode ser, para uns, algo como a Revolução Francesa e, para outros, as guerras de independência.
Assim, mesmo em situações de conversão, algo do religioso (ou mítico) sobrevive. Mas acontece que o ideal de modernidade tende, em nome do progresso, a relegar o conjunto de adesões religiosas ao pólo da ficção, por um movimento análogo àquele que comandou o confronto entre religiões.
A conclusão do capítulo em tom de desafio:
"Evidentemente, existe o problema de saber o que é hoje a relação entre os três pólos do imaginário, mesmo que se anuncie quase em toda parte a morte dos mitos da modernidade – que passariam a ser, por sua vez, simples elementos de ficção. Abordar essa questão pressupõe, porém, uma dupla reflexão: sobre a imagem, a imagem material à qual os humanos estão ainda mais expostos e sensíveis hoje que na época barroca, que mudou de natureza a partir do momento em que se tornou móvel; sobre a própria ficção, sobre a qual pode-se perguntar também se não mudou de natureza ou de estatuto a partir do momento em que não mais parece constituir um gênero particular, mas sim desposar a realidade a ponto de confundir-se com ela."Thiago Araújo, 27 anos, ator-palhaço, recém graduando em Ciências Sociais com enfase em Antropologia, desenvolveu durante os anos de 2002 e 2003 o laboratório de arte pública Brasil Bufão, tendo a oportunidade de construir neste processo um possível panorama para o desenvolvimento do código e da técnica corporal do Bufão brasileiro , adaptando mitos e arquétipos pré cristãos ao processo de civilização e colonização dos corpos d